Para ela
O dia 19 de Março já teve vários significados para mim. Foi desde sempre o Dia do Pai, foi a presumível data de nascimento do Jeremias mas desde há três anos que é a data da morte da minha avó. A mais pesada das datas mas a que se sobrepõe a todas as outras. No entanto, hoje escrevo para a lembrar não para a chorar.
A minha avó era daquelas mulheres fortes para caraças. Nunca se deixou vencer pelo "carcinoma anaplásico" que teve. Um nome até meio leve para o rápido e agressivo tumor que era. Acho que ela decidiu ignorá-lo, fazer de conta que ele não existia e até ao último dia nunca se rendeu a ficar na cama. Não faço ideia das dores que teve, do que sentia, porque nunca se queixou. Pelo que me conta a minha mãe, às vezes desaparecia zangada para dar uma volta sozinha. Como a entendo. Também eu estaria chateada com Deus se fosse crente como ela e tivesse tanta força para viver...
A minha avó não sabia ler nem escrever, no entanto, sabia o nome de todos os políticos como eu não nunca irei saber. Sabia de tudo o que andavam a tramar porque a hora do telejornal era (e isso continua a ser) sagrada naquela casa. O telejornal e as telenovelas brasileiras. Aqui tinha direito ao relato da cronologia completa de personagens que alguns dos atores mais conhecidos tinham representado. E nos intervalos da novela lá ia dando uma cochiladas que pensava que ninguém reparava (apesar dos movimentos bruscos de cabeça).
Despedia-se sempre com "desculpem lá qualquer coisa" e recebia-nos sempre com um sorriso. Sempre que chegávamos da viagem de Lisboa, lá estava ela sentada à porta de casa a fazer crochet. Quando nos iamos embora lá ficava ela à porta a acenar ao carro já na estrada.
Como sabia que eu ficava sem fome mal chegava à aldeia e a única coisa que conseguia comer era pão, tinha sempre um acabado de sair do forno e ia sempre cortar uma fatia gigante ainda a fumegar para eu comer qualquer coisinha. De manhã, mal acordava, já havia ovos de farinha na mesa. Esses ovos que mais ninguém fará igual...
Três anos passaram e o quanto que gostava de me poder sentar de novo àquela mesa com ela. Tinha tanta coisa para lhe contar.